Páginas

sábado, 8 de maio de 2010

Alice no País das Maravilhas (Tim Burton’s Alice in Wonderland)

Nova categoria: Sem açúcar. Porque alguns filmes que não são direcionados especialmente para mulheres melosas valem serem comentados. :)


http://adisney.go.com/disneypictures/aliceinwonderland/



Fantasiar é um costume natural. Nos liberta da prisão existencialista e nos eleva ao status da possibilidade. É a fé de que nenhum de nós é capaz de se livrar, pois, sem ela, o mundo é apenas realidade. Talvez seja loucura - a pitada que todo homem são possui -, mas não há nada que pudesse ser mais desesperador do que possuir somente a simples e pura realidade.


A história da pequena Alice é uma dose dessa abstração que fascina. Em ódio ou adoração, são apenas formas de se conformar com o pouco de alucinado que todos temos. Alguém poderia ser indiferente a tal insanidade? Claro, porque nesse mundo tudo pode. Mas é Alice, a lenda; sonhos, pesadelos e o surreal em uma só. Por isso, quando um dos diretores mais pirados de Hollywood nos deu a notícia de que daria seu toque próprio ao País das Maravilhas, o planeta inteiro se deslumbrou.


Alice aparece de primeira na telona da forma mais inesperada: a apática criatura que se deixa levar. Acredito que essa seja a primeira e principal decepção a que Burton nos submete. Alice é um poço de ceticismo por trás de um rosto tediosamente inexpressivo e mesmo que tente se recuperar ao final, não chega à redenção. O mundo à sua volta a puxa, quando deveria ser ela a desvendar o maravilhoso. Até o chapeleiro nem tão louco tem que criar uma paixão que a faça reagir.


A saga continua em ritmo simplista. De um lado, a malvada Rainha de Copas, que roubara o reino para si. Do outro lado do país, que não leva mais que alguns minutos para ser atravessado,está a bondosa Rainha Branca, que pretende recuperar sua coroa. Por esses caminhos, Alice cavalga livremente, desprovida de paixão, enquanto se aproveita de sua conveniente licença para fazer o que bem entender em uma terra que interessa a todos, menos a ela. Dessa forma, nos vemos abandonados em nossas expectativas: sem Alice espevitada, sem País das Maravilhas, apenas o dragão que não dura nem pra fazer arranhão naquele rosto imutável.


Alguns podem acreditar que Burton nos iludiu, mas a verdade é que nós é que nos iludimos com ele. A combinação da demência de Alice com a essência mórbida do diretor não poderia ser mais perfeita em teoria. Porém, quem sabe, a maluquice de Lewis Carroll (Charles Lutwidge Dodgson) fosse já uma fantasia completa; algo que não suportaria mais.


Apesar de tudo, é inevitável notar que Alice é uma grande inspiração. Uma fantasia que nos leva tão longe, mas tão longe, que nem tamanha competência cinematográfica conseguiu levar além. E, mesmo assim, fantasiamos. Quando mais uma vez a realidade traz decepção, somos instigados a escapar. Mas não para nos afastarmos de Burton, de sua criação; fantasiamos para chegarmos mais perto daquilo que todos sabíamos que esse filme poderia ser.