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quinta-feira, 14 de março de 2013

O Vôo (Flight)





O que é um alcoólatra? Uma pessoa que bebe muito. Mais do que isso: é o cara que estraga a festa. Perde o emprego. O deprimido diagnosticado (ou não). O babaca que causa acidente na madrugada do sábado. É o tio que está no bar às 9h da manhã. O mendigo da sarjeta. O Zé que bate na mulher e nos filhos. O extremo irresponsável.
Só que não.

A primeira cena do filme é do cara que acorda numa sofisticada suíte de hotel, de ressaca. Ele começa o dia cheirando pó e atendendo uma inconveniente ligação da ex-mulher, enquanto sua deslumbrante acompanhante anda pelada pelo quarto. Em seguida, eles estão saindo pelo corredor naquela marcha heroica de quem tem uma missão a cumprir e o uniforme impecável da tripulação de uma companhia aérea. E o que acontece depois? Ele, como comandante, salva várias vidas.

Acaba aí a descrição do personagem alcoólatra, representado por Denzel Washington com maestria, que passa os próximos minutos de filme tentando ignorar superar seu problema. Para muitos, foi a partir desse ponto que a trama perdeu força. Culpa da comunicação, que vendeu o longa como se fosse filme de desastre de avião. Para mim, foi uma agradável surpresa.

O drama do comandante Whip é, como já li em alguns lugares, repetitivo e lento - o que faz muito sentido. Quem convive com o alcoolismo sabe que é exatamente assim: o irritante ciclo de beber e se convencer de que está no controle, mesmo que tudo e todos mostrem que não. Não precisa ter um motivo profundo ou ser um completo perdedor. E, pessoalmente, acho que esse contraste entre o herói, que muitas vezes dá a impressão de saber o que está fazendo, e o doente, que insiste no comportamento destrutivo, é a maior conquista da obra.

A trama não é perfeita e às vezes se perde em ramificações e personagens que não fariam falta se fossem excluídos. Porém, consegue chegar em um clímax empolgante e se mantém realista. Quem sentiu que o tom foi moralista, deu importância demais às referências religiosas e às últimas cenas. No fundo, acho que o que mais incomodou parte do público foi mostrar que o alcoolismo não é doença do outro, que tem problemas, mas de um cara normal ou até de sucesso, que gosta de beber e de se divertir.

Não é uma questão de condenar um certo tipo de comportamento e sim de alertar que o alcoolismo não vem apenas em formas estereotipadas. Na verdade, o vício em si não tem nada de emocionante e nem sempre é percebido na cara da pessoa. É um buraco negro que vai sugando o que estiver próximo.

Só que alguns ainda não sentiram na pele o quão cruel pode ser essa realidade.