O que é um alcoólatra? Uma pessoa que bebe muito. Mais do que isso: é o
cara que estraga a festa. Perde o emprego. O deprimido diagnosticado (ou não).
O babaca que causa acidente na madrugada do sábado. É o tio que está no bar às
9h da manhã. O mendigo da sarjeta. O Zé que bate na mulher e nos filhos. O
extremo irresponsável.
Só que não.
A primeira cena do filme é do cara que acorda numa sofisticada suíte de
hotel, de ressaca. Ele começa o dia cheirando pó e atendendo uma inconveniente
ligação da ex-mulher, enquanto sua deslumbrante acompanhante anda pelada pelo
quarto. Em seguida, eles estão saindo pelo corredor naquela marcha heroica de
quem tem uma missão a cumprir e o uniforme impecável da tripulação de uma
companhia aérea. E o que acontece depois? Ele, como comandante, salva várias
vidas.
Acaba aí a descrição do personagem alcoólatra, representado por Denzel
Washington com maestria, que passa os próximos minutos de filme tentando ignorar
superar seu problema. Para muitos, foi a partir desse ponto que a trama perdeu força.
Culpa da comunicação, que vendeu o longa como se fosse filme de desastre de
avião. Para mim, foi uma agradável surpresa.
O drama do comandante Whip é, como já li em alguns lugares, repetitivo e
lento - o que faz muito sentido. Quem convive com o alcoolismo sabe que é
exatamente assim: o irritante ciclo de beber e se convencer de que está no controle,
mesmo que tudo e todos mostrem que não. Não precisa ter um motivo profundo ou
ser um completo perdedor. E, pessoalmente, acho que esse contraste entre o
herói, que muitas vezes dá a impressão de saber o que está fazendo, e o doente,
que insiste no comportamento destrutivo, é a maior conquista da obra.
A trama não é perfeita e às vezes se perde em ramificações e
personagens que não fariam falta se fossem excluídos. Porém, consegue chegar em
um clímax empolgante e se mantém realista. Quem sentiu que o tom foi moralista,
deu importância demais às referências religiosas e às últimas cenas. No fundo,
acho que o que mais incomodou parte do público foi mostrar que o alcoolismo não
é doença do outro, que tem problemas, mas de um cara normal ou até de sucesso, que
gosta de beber e de se divertir.
Não é uma questão de condenar um certo tipo de comportamento e sim de
alertar que o alcoolismo não vem apenas em formas estereotipadas. Na verdade, o
vício em si não tem nada de emocionante e nem sempre é percebido na cara da
pessoa. É um buraco negro que vai sugando o que estiver próximo.
Só que alguns ainda não sentiram na pele o quão cruel pode ser essa realidade.