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terça-feira, 31 de dezembro de 2013

Questão de tempo (About time)

- Pode conter spoilers -




Com uma condução sensível, mas longe do dramalhão que poderia ter sido, 'Questão de tempo' aborda exatamente aquilo que já pode ser percebido em seu trailer: o valor do tempo, da família e, em especial, dos momentos sempre efêmeros que passamos ao lado de quem amamos.

A magia da vida de Tim Lake (Domhnall Gleeson) é que, mesmo em uma família que leva no sangue o poder de viajar no tempo, não há nada de extraordinário nela além de algumas situações engraçadinhas. Ele é um advogado competente, que só faz seu trabalho. Sua família é boa e amorosa, ainda que possua seus pequenos problemas e conflitos. Seu interesse romântico é uma moça simpática e bonita por quem simplesmente se apaixona. Se você espera uma louca viagem sobre as complicações e emoções da viagem no tempo, pode procurar por outro título. O gênero aqui é drama, com uma pitada levíssima de fantasia.

Os personagens formam uma pintura de como a vida pode ser linda, ainda que passando por algumas tristezas. Exceto por Kit Kat, que traz uma construção muito interessante de Lydia Wilson, nenhum deles se esforça para conquistar o público individualmente. Mary é fofa e não seria nem isso se não fosse pelo fato de que Rachel McAdams ainda rende algum carisma. Tim é o típico protagonista que nos guia pela história, trazendo poucas surpresas em suas ações.


Ainda que seja um gênero muito bem trabalhado pelo diretor Richard Curtis, talvez tenha faltado alguma pimenta para engrossar a trama. De qualquer forma, o filme é válido. Foge bastante de cenas longas e bregas, saturadas de falas de efeito, mas não deixa de tentar arrancar algumas lágrimas. E se você é o do tipo que jamais vai se cansar de histórias que ensinam o valor da família e/ou está procurando por algo leve para assistir, esta é uma grande recomendação para você.

segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

Os Demônios (The Devils)

 - Pode conter spoilers -



Muito bem cotado no circuito de filmes perturbadores e adaptado de um livro de Aldous Huxley (que eu não li), “Os Demônios”, de 1971, retrata a história do padre Urbain Grandier e as supostas possessões demoníacas ocorridas em freiras do vilarejo de Loudun, que no século 17 era uma das poucas a se manter resistente ao controle do Cardeal Richelieu.

O fato histórico, na verdade, serve de cenário para um ataque nada sutil a uma época obscura da Igreja Católica. Começando por nosso heroico protagonista, Grandier (Oliver Reed), um padre promíscuo, que abandona sua amante grávida e se casa com outra mulher. Nada disso seria um problema se ele não fosse também uma forte figura contra a influência do poderoso Cardeal Richelieu. Apesar da excelente habilidade de luta com pequenos jacarés, sua natureza extremamente sensual – única “fraqueza” aparente – acaba traindo-o e levando-o ao fim historicamente conhecido.

A segunda e última personagem digna de ser apresentada é a madre superiora Jeanne de Anges (Vanessa Redgrave), que brilha na tela com sua corcunda, o pescoço torto e a forma distinta de lidar com a repressão sexual. São seus sonhos profanos e desejo lascivo por Grandier que, ao contrário dos eternos monólogos do padre, dão alguma graça ao longa.

No geral, a trama trabalha pouco os desdobramentos políticos e foca muito mais nas depravações envolvendo freiras. Nudismo, sexo e símbolos religiosos misturados em cenas tão alegóricas que não chegam a pesar, excetuando o óbvio ataque à moral e à Igreja. Na época, deve ter causado grande choque e ainda hoje pode ser visto como uma grande ofensa aos olhos dos católicos fervorosos. No entanto, para o público que aprecia o estilo gore, o filme traz poucos momentos que valham a pena.

domingo, 4 de agosto de 2013

Wolverine: Imortal (The Wolverine)

- Pode conter spoilers -

http://www.thewolverinemovie.com



Importante: eu não sou fã dos quadrinhos, mas assisti a todos os filmes relacionados ao universo dos mutantes.

Com um roteiro melhor desenvolvido e maior respeito aos fãs da franquia, o grande trunfo do segundo filme protagonizado pelo carismático Wolverine é levar  o público ao cinema com baixíssima expectativa. Com isso, causar a sensação de redenção pela terrível produção anterior.

“Wolverine: Imortal” tem a premissa simples: trabalhar sua relação quebrada com a imortalidade. Para isso, ele terá que perder sua habilidade mutante e lembrar de que não resiste a uma mocinha em perigo – mesmo que seja por baixo da carcaça de bronco.

Tudo começa com um Wolverine traumatizado por ter sido obrigado a matar mulher de sua vida (Jean que, ao final de “X-Men 3 - O Confronto Final”, começa a assassinar todo mundo depois de ter se transformado em Fênix) e vive como um ermitão. Um amigo da 2ª guerra o arranca do retiro para lhe oferecer a mortalidade e acabar com o sofrimento que tantos anos de vida lhe causaram.

O filme não é tão ruim quanto o primeiro e ganha pontos por isso. Parece que os produtores da Fox aprenderam que há limite na hora de subestimar seu público (em especial, o de quadrinhos) e desta vez fizeram um esforcinho. Com isso, ganhamos um Wolverine (ligeiramente) mais profundo, um contexto mais interessante e lindas cenas no Japão.

Ainda assim, a produção não chega sem pecados. A começar pelos vilões, uma série de personagens irritantes e, em alguns casos, previsíveis. A insistência no uso da bonitinha-sem-personalidade-que-precisa-de-ajuda é um problema de filmes de heróis no geral, que ultimamente até têm tentado construir figuras femininas mais fortes, o que não é o caso aqui. O destaque fica para Yukio (interpretada por Rila Fukushima), que é ótima, mas não tem muito espaço além do papel de assistente. Por último, cito a presença dos grandes clichês japoneses: Yakuza, ninjas e armaduras samurais, que não passam de elementos forçados na trama para dar aquele gostinho oriental que todo ocidental curte.

“Wolverine: Imortal” supera o seu antecessor (o que não é lá tão difícil), mas ainda não chega a ser trazer uma ótima história do que a vida do mutante poderia ser. A impressão que eu tenho é que o tema imortalidade poderia render muito mais, mas a Fox ainda tem medo de investir em um conteúdo mais denso e perder o apelo comercial e infantil.

É um caminho mercadológico compreensível. Mas enquanto outros estúdios estão conseguindo fazer suas marcas no cinema, Wolverine fica para trás, vendo personagens muito menos interessantes ganhar o espaço que poderia ser seu.

quinta-feira, 14 de março de 2013

O Vôo (Flight)





O que é um alcoólatra? Uma pessoa que bebe muito. Mais do que isso: é o cara que estraga a festa. Perde o emprego. O deprimido diagnosticado (ou não). O babaca que causa acidente na madrugada do sábado. É o tio que está no bar às 9h da manhã. O mendigo da sarjeta. O Zé que bate na mulher e nos filhos. O extremo irresponsável.
Só que não.

A primeira cena do filme é do cara que acorda numa sofisticada suíte de hotel, de ressaca. Ele começa o dia cheirando pó e atendendo uma inconveniente ligação da ex-mulher, enquanto sua deslumbrante acompanhante anda pelada pelo quarto. Em seguida, eles estão saindo pelo corredor naquela marcha heroica de quem tem uma missão a cumprir e o uniforme impecável da tripulação de uma companhia aérea. E o que acontece depois? Ele, como comandante, salva várias vidas.

Acaba aí a descrição do personagem alcoólatra, representado por Denzel Washington com maestria, que passa os próximos minutos de filme tentando ignorar superar seu problema. Para muitos, foi a partir desse ponto que a trama perdeu força. Culpa da comunicação, que vendeu o longa como se fosse filme de desastre de avião. Para mim, foi uma agradável surpresa.

O drama do comandante Whip é, como já li em alguns lugares, repetitivo e lento - o que faz muito sentido. Quem convive com o alcoolismo sabe que é exatamente assim: o irritante ciclo de beber e se convencer de que está no controle, mesmo que tudo e todos mostrem que não. Não precisa ter um motivo profundo ou ser um completo perdedor. E, pessoalmente, acho que esse contraste entre o herói, que muitas vezes dá a impressão de saber o que está fazendo, e o doente, que insiste no comportamento destrutivo, é a maior conquista da obra.

A trama não é perfeita e às vezes se perde em ramificações e personagens que não fariam falta se fossem excluídos. Porém, consegue chegar em um clímax empolgante e se mantém realista. Quem sentiu que o tom foi moralista, deu importância demais às referências religiosas e às últimas cenas. No fundo, acho que o que mais incomodou parte do público foi mostrar que o alcoolismo não é doença do outro, que tem problemas, mas de um cara normal ou até de sucesso, que gosta de beber e de se divertir.

Não é uma questão de condenar um certo tipo de comportamento e sim de alertar que o alcoolismo não vem apenas em formas estereotipadas. Na verdade, o vício em si não tem nada de emocionante e nem sempre é percebido na cara da pessoa. É um buraco negro que vai sugando o que estiver próximo.

Só que alguns ainda não sentiram na pele o quão cruel pode ser essa realidade.