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terça-feira, 30 de março de 2010

Cadê os Morgan? (Did you hear about the Morgans?)

http://www.sonypictures.com.br/Sony/HotSites/Br/cadeosmorgan/



Muitas coisas na vida exigem alguma adaptação. Seja porque a convivência com um mal inevitável surja ou apenas uma grande mudança ocorra, o desapego àquela acomodação estabelecida é, vez ou outra, muito necessário. Ceder, afinal, é um fundamento tão difícil de aprender quanto primordial para uma vida progressiva.

Para o casal recém-separado Morgan, essa era uma questão de vida ou morte. Por serem testemunhas-chave de um crime cometido por um perigoso assassino, a polícia lhes informa que o modo mais seguro de lidar com isso é entrar para o programa de proteção. O que, em suma, significa mandar dois nova-iorquinos – essência do ser urbano – para um daqueles lugares no meio do deserto, um nada com quilômetros e quilômetros de extensão.

A viagem, é claro, acontece. Paul e Meryl encaram a mudança com algum humor sarcástico, deixando para trás assistentes ansiosos, carreiras bem-sucedidas e supostamente família e amigos. Chegam com o jeito tímido a um lugar que só vai hostilizar seus modos de gente-de-cidade-grande e onde nem podem usar telefone e Internet. Paul, o inglês, e Meryl, adepta da cultura sofisticada da metrópole, convivendo entre chapéus de cowboys e estampas xadrez.

A inclusão e o ajustamento ocorrem, como é previsível. Com ajuda do casal Clay e Emma Wheeler, os dois aprendem a enxergar aquele lugarzinho com mais empatia e até se apegam à loja que vende suéter por $9,99. Meryl arranja uma maneira de continuar a exercer sua função como corretora, e Paul ajuda um dos moradores com questões jurídicas. Em pouquíssimos dias, é como se tivessem se transformado em amantes do sossego e dos costumes mais rústicos do povo de Wyoming.

É tudo uma questão de adaptação, como dito no começo. Se acostumar com algo pode ser tão fácil quanto Meryl e Paul nos ensinam em sua pequena aventura. Só nos falta saber se o próprio amor é uma dessas coisas. Já que a (falta de) química entre Sarah Jessica Parker e Hugh Grant não convence nem por um segundo na tela, quem sabe seja essa facilidade em se ajustar à convivência forçada a única resposta para o desfecho feliz. O amor acaba sendo apenas uma palavra para designar a união de duas pessoas que, no fundo, estão simplesmente habituadas uma à outra.

quinta-feira, 25 de março de 2010

Um sonho possível (The blind side)

http://wwws.br.warnerbros.com/theblindside/



Se considerarmos o mundo em que vivemos e as informações que chegam a nós de hora em hora durante um dia, é impossível crer na vida de Michael Oher senão como uma fábula. O menino negro que nasce e cresce no coração da miséria e decadência humana consegue sua entrada em uma escola particular. Observando-o afundar nesse mundo que ele desconhece, uma família branca decide abrigá-lo, ajudá-lo e, por fim, adotá-lo. Então, com o esforço de professores e treinadores, ele vira esse baita jogador de futebol americano de bom caráter e bem-sucedido.

Difícil acreditar que essa sucessão de coisas boas possa acontecer a alguém quando meninos morrem por dez reais nas favelas brasileiras. Mas aconteceu, em uma narrativa tão leve e tão direcionada para a felicidade, como se todas as famílias ricas estivessem prontas para doar seu sangue por alguém e meninos tão bons nascessem em toda má vizinhança, que só é possível engolir tudo isso quando sabemos que é baseado na vida de alguém real. Inacreditável, mas Michael Oher existe.

É interessante observar que o próprio roteirista da vida possa ter concebido um caminho tão “exato” para alguém. E só ele mesmo para ter tanto crédito para fazer um roteiro assim dar certo. Porque não é uma questão de observar um exemplo de bondade e guardar este sentimento até que um moleque venha roubar sua bolsa, mas de saber que coisas assim podem de fato acontecer no mundo real. Simples, leve, certo. Dessa forma, como os resistentes sonhadores da nossa sociedade gostam tanto de pensar.

Pode ser de um simplismo grande demais resumir o conceito de bondade em uma história quase insossa de tão certinha, que luta contra todas as estatísticas que conhecemos. No entanto, quem sabe seja isso que as pessoas precisem. Faz falta às vezes ver alguma bondade de graça, sem aqueles argumentos cheios de reviravoltas só para calar as perguntas que nosso mundo complexo de hoje não nos deixa ignorar. Quem sabe seja simplicidade que nos falte para chegar às melhores soluções dos problemas.

E se você ainda pensa que, no fundo, nunca conseguiria ser tão altruísta como Leigh Anne, não se preocupe. Esse não é um filme sobre o altruísmo de uma pessoa. Porém, é um filme sobre uma pessoa exemplar. Porque o bonito não é vê-la se doando pelo garotão da periferia e sim sentindo um sincero prazer em fazê-lo. Talvez disso possamos concluir que a verdadeira mensagem é que não é de sacrifícios que esse mundo precisa, mas de pessoas com um coração tão acolhedor quanto o dela.

- E parabéns pela bela atuação de Sandra Bullock! -

quinta-feira, 18 de março de 2010

O Amor Acontece (Love Happens)

http://www.lovehappensmovie.com/



Aquela velha máxima de que palpitar na vida dos outros é mais fácil do que resolver nossos próprios problemas destaca uma característica muito mais presente na alma humana do que gostamos de admitir: a hipocrisia. Pode ser uma palavra forte, chocante para os mais sensíveis, porém uma verdade inegável. Porque todos nós já vivemos alguma experiência em que dizer é bem mais fácil que fazer e sabemos que, quase sempre, a teoria é mais simples que a prática.

“Faça o que digo, não faça o que faço” é a filosofia que Burke Ryan (Aaron Eckhart) segue secretamente desde a primeiríssima cena, em que cortar os limões nos leva à objetiva conclusão de que o jeito é fazer a limonada; até que uma garrafa de vodca surge como o sinal de que talvez a limonada por si só seja amarga demais para os despreparados. Com essa introdução, começamos a descobrir um pouco sobre o autor de um best-seller de auto-ajuda conhecido nacionalmente, que se dedica a fazer grandes palestras e workshops para ajudar pessoas que perderam seus entes queridos.

Não é um drama profundo, tampouco uma comédia romântica habitual. O luto e a dor da separação são os temas centrais do plot, e apesar do amor acontecer (como diz o título), nesse caso ele tem que, de certa forma, terminar. Essa luta pelo encerramento vai mostrar o quão longo é o caminho para se “curar” e quanto Burke, um viúvo mal-resolvido, se engaja nessa causa – pelos outros.

Quando a excêntrica florista Eloise (Jennifer Aniston) surge, todas as teorias são voltadas contra ele mesmo. A mulher que não sabe escolher homens, trabalha em uma humilde loja e não sofre com nenhuma morte traumática, leva o exemplo nacional de superação a se confrontar com seus problemas, evidenciando o grande paradoxo que ele vive.

No fim, em vez do falso moralismo e de uma redenção clichê, as duas faces hipócritas de Burke nos levam a uma curiosa conclusão sobre interações sociais e emoções humanas: não é preciso ser mais que uma pessoa normal e cheia de problemas para aconselhar e ajudar alguém; mas superar certas dores requer uma força muito maior do que uma capaz de comover e consolar multidões. Isso sim faz um filme valer a pena, muito mais do que saber que o final é o velho e bom “felizes para sempre”.

quarta-feira, 10 de março de 2010

Simplesmente Complicado (It’s complicated)

http://www.itscomplicatedmovie.com/



Amadurecer é, senão a mais, uma das coisas mais difíceis na vida. Primeiro porque, em essência, quer dizer envelhecer e segundo porque nenhum dos tantos aprendizados que se ganha vem sem um preço. Também, além de tudo isso, amadurecer é conseqüentemente ter vivido, o que pode ser um conceito tão abstrato que talvez seja impossível de definir como bom ou ruim. No entanto, todos sabemos, viver é a única alternativa que temos depois de nascer, o que torna a maturidade algo inevitável.

Duro, pode-se dizer, amadurecer também traz algumas coisas boas. Perde-se o ar da infantilidade, as frágeis ilusões que nos levam aos grandes tombos, e aprende-se a maior das lições: a de que nunca vamos ter experiência o suficiente para poder encarar tudo como o adolescente “invencível” que (acha que) tem o mundo nas mãos. E essa é, como Jane Adler vai nos mostrar, uma das coisas mais complicadas do viver.

Depois de um longo casamento, três filhos e mais 10 anos se ajustando como divorciada, Jane se vê em um ponto alto de sua vida: é a dona de uma padaria de sucesso, mantém uma boa relação com seu ex-marido, Jake Adler (Alec Baldwin) e se sente ótima consigo mesma. Ainda assim, essa feliz mulher começa a se sentir solitária, já que seu ex seguiu em frente, se casando com a sua então amante, e seus filhos já dão claros sinais de independência. É nesse momento que ela vai se deixar levar pela enorme burrada de começar um caso exatamente com Jake, a causa do sofrimento de tantos anos.

Fabulosa, como só Meryl Streep poderia, Jane expõe sua força e sua fraqueza, misturados nessa mulher-mãe-cozinheira-divorciada por quem é impossível não se apaixonar. Ela é aquele tipo de mulher que todas querem ser quando crescer: bem conservada, morando em uma casa linda, trabalhando naquilo que ama fazer, inteligente, interessante, cheia de vida... – vocês entenderam. Por isso, quem sabe, sua jornada louca nos absorva tanto. Jane, uma musa, envolvida em um tórrido caso com seu ex-marido.

É claro que não é uma situação favorável. O homem é casado e, além disso, eles já haviam tentando antes. Não é uma fórmula com muitas chances de acerto. Depois, temos também Adam Schaffer, um Steve Martin estranhamente sofisticado e atraente, que entra na vida dela como uma nova paixão. Adicionando a tudo um resquício de sentimento por parte de Jake Adler e uma Jane um tanto confusa, tudo acaba se enrolando. E o que parecia tanto conhecimento no longo currículo de vida, acaba sendo nada.

No final, resta a Jane recolher alguns cacos de todos esses acontecimentos. Aí é que chegamos à alma de toda essa história: o verdadeiro poder de sua maturidade. Porque por mais que ela continue errando, independente de sua idade, essa é uma mulher que não se deixa derrubar por dores e decepções; uma mulher cujas bases são tão concretas que não usa mais drama para se acertar. Não há lágrimas, não há brigas feias, nem trilha ultra-romântica ou ultra-depressiva. É apenas Jane, que sabe que pode se enganar e que ainda tem muito para aprender - não só sobre o mundo e a vida, mas principalmente sobre si mesma.

quarta-feira, 3 de março de 2010

Um olhar do Paraíso (Lovely Bones)

http://www.lovelybones.com/intl/br/



A história de Susie Salmon (como o peixe) repete a tragédia de tantas outras meninas – e também meninos – que vemos proliferando em nossos noticiários e jornais nos últimos anos: estupros, assassinatos, agressões sem fim. Crianças são criadas cada vez mais dentro de casa e o tema “pedofilia” nunca foi tão discutido. A pergunta, afinal, é: O que dá tanto ibope para tais fatos? Mais do que isso, o que faz de uma história dessa natureza ser digna de virar um longa-metragem? Com certeza, e eu não vou ser hipócrita em negar, é a sua desgraça.

A grande verdade é que é a violência na morte da menina que chama a atenção. É exatamente fato de que alguém pode executar tal ato de horror e que algo assim seja crível no mesmo mundo em que vive uma família, como a Salmon, que nos parece tão perfeitamente inofensiva e amorosa nas cenas em que se desenvolvem suas relações. Sim, todos temos total ciência de que essas coisas acontecem de fato aqui, no nosso país, na nossa cidade, no nosso bairro, na nossa rua... no mesmo lugar onde pessoas como nós possuem um trabalho decente, uma família carinhosa, importantes objetivos de vida; tudo dentro da lei, sem machucar ninguém.

Peter Jackson escolheu a forma mais sutil de tratar do assunto e isso tem incomodado muitos espectadores. Talvez, porém, esse seja seu grande trunfo: focar naquilo que precisa ser dito muito mais do que naquilo que não precisa ser dito. Uma chocante cena de crua violência nos daria uma bela perspectiva do que um ser humano pode ser capaz. No entanto, a forma horrível como Susie morreu é apenas um lado de uma história que quer nos dizer muito mais.

Seguir em frente, essa é a moral da história. Quando algo acontece, coisas importantes se partem e a separação é inevitável; esse é o momento de vulnerabilidade em que todas as forças são testadas. Por causa de um único acontecimento, tudo se destrói: Susie se deixa engolir por uma obsessão de vingança e sua família se despedaça. O fato é que somos apenas humanos, muitas vezes impregnados de um apego que nem sempre é saudável. O deixar algo para trás pode ser uma das coisas mais difíceis de fazer.

O lado bom existe, como simboliza o Céu onírico (e, algumas vezes, até brega) de Susie e o amor recuperado entre Jack Salmon e Abigail Salmon. Então por que não nos concentrar nisso, a parte tão difícil e tocante da superação, em vez de querer ver detalhadamente as ações destrutivas do Sr. Harvey? Talvez essa fosse a pergunta que Peter Jackson gostaria que nos fizéssemos; talvez a leveza do filme fosse exatamente sua resposta pessoal a ela.

No final, alguns acabaram respondendo da pior forma possível. Vivemos tempos mórbidos, em que até o símbolo de “homem perfeito” é um morto-vivo que chupa sangue. A morte está em todo lugar, talvez a principal inspiração da década passada. Junto com ela, a sordidez. E é por isso que franquias como Jogos Mortais, hipérbole da violência no Entretenimento, continuam crescendo mais e mais.